E por mais que eu tenha sido forte um dia, hoje já não mais o sou. Sei admiti-lo, apesar de me custar saber que com o tempo fui perdendo toda aquela energia verdadeira que tinha, todo aquele puro gosto de viver. Agora perdi tudo isso. Perdi a vontade de estar aqui. Nesta casa, neste mundo. Perdi a vontade que ainda há pouco me tinha assaltado e que me fazia lutar contra tudo dia após dia. Mas agora fartei-me. Fartei-me definitivamente de criar ilusões, de me achar capaz de algo que, em momentos de lucidez, sei perfeitamente que não sou capaz de fazer. Esse algo, hoje, é uma coisa muito simples. Continuar a viver nesta casa, sob este ambiente que não faz bem a ninguém. E não quero que aquilo que de melhor tenho no mundo passe pelo mesmo que eu passei, ao assistir a cenas de violência. Não quero ver o futuro deles afectado por algo em que eles não deviam estar metidos. Os meus putos não deviam ver, não deviam ouvir nada daquilo que se passa à volta deles. Porque são muito pequeninos! São os meus miúdos e sempre os protegerei de tudo aquilo que os possa vir a prejudicar. E tudo isto por um motivo muito simples: se não fossem estes dois, eu já não estaria cá. Estaria provavelmente a dormir na rua, debaixo da ponte, encostada a qualquer canto que me abrigasse do frio. Mas não estaria neste sítio com toda a certeza. Só que a hipótese de deixá-los sozinhos aterroriza-me. Aterroriza-me pensar naquilo a que eles podiam assistir na minha ausência. E este medo, este horror, não me deixa partir, não me deixa ir embora à procura da minha felicidade que, agora sei, não está aqui.
Só peço que os meus putos cresçam rápido para que os possa levar juntamente comigo para onde quer que vá. Porque não consigo passar sem os ver crescer, sem aquele simples beijo de boa noite que eles tanto fazem questão de dar antes de ir para a cama. Não consigo conceber a minha existência sem estas duas criaturas que tantas dores de cabeça me dão, mas que são também aqueles que me pedem desesperadamente que não os deixe, que me cale e que não piore as coisas. E é por eles que aqui estou. A aguentar a enorme vontade que tenho de sair desta casa, deixar a porta escancarada e correr. Correr para bem longe, onde ninguém me possa encontrar.

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